Uberização dos mercados

A palavra “uberização” pode até parecer novidade, mas é apenas uma nova candidata aos dicionários, que na prática o conceito já está no mercado já tem muito tempo.

Hoje em dia temos visto muita confusão, tumulto e briga [no mal e bom sentido da palavra] que a empresa Uber trouxe ao mercado mundial, principalmente se voltando contra os taxistas. Porém, do ponto de vista do passageiro [cliente do Uber e dos taxistas] essa briga veio a trazer somente benefícios até então.

Se nos atentarmos para brigas mais antigas a essa, que também ocorreram no comércio, facilmente poderemos perceber de que se trata do mesmo fenômeno. Quero citar agora o que aconteceu com a indústria musical, cinematográfica e televisão, mas certamente lembrarei outras em breve.

Napster – o Uber da música

O aplicativo Napster veio a trazer um estrago na industria da música, inimaginável, e fazia exatamente o que o Uber hoje faz e vem causando. Unia as duas pontas do negócio [objeto desejado e o desejador] diminuindo a quantidade de atravessadores. Assim reduzindo a burocracia, aumentando a eficiência e principalmente universalizando mais o acesso.

No caso do Napster este software foi o precursor dos arquivos MP3, onde deu acesso a praticamente qualquer pessoa a dispor para qualquer momento da música desejada. Até aquele momento o que se firmava no mercado era o CD, substituto do disco de vinil. Além do preço para se escutar uma ou duas músicas desejadas de todo o disco, também era difícil muitas vezes de encontrar o CD que continham tais faixas almejadas. Com o MP3 não, qualquer pessoa que tinha um computador com acesso a internet passou a poder escutar a música que queria sem pagar nada.

Em um primeiro momento isso causou um alvoroço, enormes brigas judiciais e fiscais se iniciaram, principalmente afetando as gravadoras que dispunham de todo aquele lobby musical de muitas décadas. Os artistas acabaram por saírem afetados e foi especulado que a indústria da musica estava no fim.

O Napster, de certa forma, deixou de existir poucos anos depois devido ao embate jurídico e as restrições impostas [hoje existe com proposta diferente]. Porém, aquele processo era irreversível. Pois como um câncer em metástase se alastrou, aquela ideia fez surgir muitos outros softwares que vieram a desempenhar o mesmo papel. De modo que foi impossível direcionar alvo para todos e a guerra acabou.

A guerra no mercado musical entre músicos, gravadoras e ouvintes [consumidores] se acabou. As gravadoras sairam quase que totalmente da cena, perderam a guerra. Depois de um certo tempo o mercado da música elaborou o luto, fez um silêncio bem duradouro e se mudou. Os músicos deixaram de ganhar dinheiro basicamente com a venda de discos e passaram a ganhar dinheiro mais com a produção e venda dos shows.

Netflix – Uber da TV por assinatura e salvador da indústria de filmes

Algo parecido ocorreu com a indústria cinematográfica, talvez não tão revolucionário nesse sentido, mas os aplicativos e sites que vieram a exercer o espaço aberto pelo Napster passaram a compartilhar filmes com a mesma intensidade com que faziam com as músicas. Só teve uma mudança de rumo, para amenizar os conflitos com os interesses da indústria cinematográfica, quando outra revolução tão grande apareceu, o Netflix.

O compartilhamento de filmes dessa proporção só passou a ser possível quando houve uma melhora significante na velocidade de transmissão da internet. As músicas eram transmitidas na época do Napster a uma velocidade máxima no Brasil de 56 Kbps. Depois, com a disponibilidade de velocidades maiores, começou  a se popularizar o compartilhamento de vídeos, a uma velocidade média aproximada para época de 1 Mbps.

O Youtube, hoje pertencente ao Google, tentou emplacar um novo conceito de transmissão On Demand. Ficou muitos anos, na verdade mais de uma década, sem ter causado tamanha revolução como o Napster. Isso se deu devido a limitação tecnológica, principalmente devido a velocidade da internet, porque para o início dos anos 2000 [início de século] 1 Mbps não trazia uma boa experiência aos telespectadores do Youtube.

Por esses anos iniciais citados, os vídeos do Youtube demoravam muito para carregar. Até mesmo o conteúdo estava muito limitado, os vídeos não podiam se quer chegar a 10 minutos e o conteúdo também era de qualidade bem precária. Causava insatisfação para muitos, que mesmo deixando os vídeos carregando antes de assistir, quase sempre acabavam desistindo.

Preenchendo essa deficiência do Youtube naquela época, veio a ser desenvolvido já para segunda década desse século [2010 em diante] o revolucionário Netflix, mais um integrante de peso na Uberização do mundo.

A rápida ascensão e prevalência do Netflix sobre o Youtube e demais concorrentes se deu por um fator técnico muito simples de entender, creio que difícil de fazer e também de perceber. Com apenas 1 Mbps de internet era possível de se assistir vídeos On Demand com excelente qualidade e sem praticamente nenhuma pausa. Tal feito raro de se conseguir com o Youtube para época e até mesmo hoje [para muitos ainda].

O segredo de compactação da transmissão do Netflix creio não ter sido batido e é ainda o mais eficiente. Como se não bastasse, o catálogo de filmes sempre foram ótimos e imbatíveis, com um preço irrisório. Até hoje é essa mesma política  e receita que mantém o Netflix sendo o mais querido entre os consumidores.

Percebe-se aqui que depois do grande tropeço da indústria cinematográfica em ter os seus filmes compartilhados pela internet, divulgados sem qualquer consentimento e lucro, o mesmo que aconteceu com a música veio a ocorrer com os filmes. O mercado se reinventou mais uma vez.

Com a Netflix foi combatido e quase exterminado o compartilhamento de vídeos de maneira ilegal. É verdade que ainda existe, mas em uma proporção quase que insignificante do ponto de vista investimento e retorno com lucros. E o Youtube nos dias de hoje consegue extrair, ao próprio modo, o mesmo retorno com lucros.

Só mesmo o Google para sustentar o modelo de negócio do Youtube por tantos anos sem ter emplacado rapidamente, antes do fracasso ou falência. Sim, pois muito foi questionado se o serviço seria extinto, mas vemos hoje a consolidação do mesmo tanto quanto o Netflix, e é verdade que tem finalidade um pouco diferente. Foi um crescimento lento, longo e que tende a ser profundo [duradouro e sem precedentes].

Uberização irreversível

A televisão está indo no mesmo caminho, felizmente já se reinventando. É o que vemos quando os canais de televisão deixaram de transmitir somente daquela maneira tradicional, pelas antenas de FM, e agora já transmitem pelo próprio site ou por aplicativos voltados para os dispositivos móveis.

Com isso chegamos à conclusão de que a Uberização é um fenômeno com nome novo, mas que está já há um bom tempo, décadas e talvez desde sempre, afetando os mercados. Vai contra a uma corrente protecionista: destrói muitas empresas e faz reinventar outras, desemprega uns daqui e emprega outros ali.

A todo instante está surgindo um novo “uber” no mercado, empresas que vem nesse mesmo processo de conflito contra o que ora está aí definido e até então imutável. São inúmeros exemplos, como o Monepp para troca de dinheiro direta entre as pessoas, e o dr.consulta na área médica.

A Uberização só demonstra o quanto o mundo selvagem não está somente na natureza, lá no meio do mato ou florestas. Pessoas morrem por esse processo, por esse fenômeno. Assim como os animais, somos animais também e somos nós que compomos os diversos mercados, mesmo que nos canibalizando .